Publicação: 3 de agosto de 2005Categorias: Entrevistas

“O que se comenta na Suécia sobre o Brasil refere-se a Amazônia, futebol, samba e meninos de rua…”



Jornalista há 11 anos, a sueca Charlotte Pruth atuou dois anos e seis meses em Sergipe, trabalhando diretamente com o público rural. De férias em Aracaju, ela relata com exclusividade ao INCLUSÃO SOCIAL suas experiências durante o tempo em que trabalhou como cooperante internacional pela UBV (Cooperação Técnica Sueca), aborda a importância do voluntariado e mostra como o Brasil ainda é visto pelos europeus.

INCLUSÃO SOCIAL – Como você iniciou seus trabalhos na área social?



CHARLOTTE PRUTH – Desde meus sete anos percebi que queria trabalhar com desenvolvimento social, participar de algo onde eu pudesse auxiliar a educação na Suécia. Então, em 1998 eu procurei a UBV, instituição sueca que trabalha com educação voltada para a cooperação internacional.


 


IS – Quando você se tornou sócia da UBV estava decidida a realizar um trabalho no Brasil?



CP –
Não. A UBV atua no Chile, El Salvador, Equador, Bolívia, Nicarágua e aqui no Brasil. Eu pensava inicialmente em trabalhar em alguma organização da Nicarágua, porque já havia passado um tempo lá e sabia falar espanhol. Mas não é o profissional que decide onde desenvolver seus trabalhos, pois depende de sua formação profissional e da demanda do país no momento.

IS – E o Brasil no momento estava na lista?


CP – No momento fui direcionada para trabalhar no Brasil, em Sergipe, em uma organização que procurou os serviços da UBV, que é o Centro Dom José Brandão de Castro/CDJBC. A equipe solicitava um profissional da área de comunicação. O meu perfil se encaixou e vim para cá. Mas até isso ser decidido todos os profissionais que vão trabalhar passam por um período de preparação de cinco meses, realizado pelo governo sueco, em parceria com a UBV. Fazemos cursos, dinâmicas, lemos inúmeros exemplos sobre os países trabalhados pela UBV, ouvimos experiências de profissionais que trabalharam anteriormente, mas nada voltado especificamente para o Brasil. Durante quatro semanas é que a preparação foi voltada diretamente para aprender o português.

IS – Você teve facilidade em aprender?



CP –
Não. No início foi muito difícil. Para ter uma idéia eu cheguei a dormir de 18 a 20 horas por dia, exausta de tanto me esforçar para me comunicar com as pessoas, de entender o trabalho realizado pelo CDJBC e a realidade sergipana.


 


IS – O que ouvia falar do Brasil coincidiu com a realidade?



CP – Na realidade o que se comenta na Suécia sobre o Brasil refere-se a Amazônia, futebol, samba e meninos de rua, quer dizer, pobreza em geral. Há pouco tempo tem se falado muito sobre o governo Lula e o Programa Fome Zero. Mas com o tempo eu fui estudando e lendo bastante sobre o Brasil e suas regiões. É um país rico e apaixonante.

IS – Ao desenvolver o trabalho no Centro Dom José Brandão de Castro, o que mais chamou sua atenção?



CP –
O CDJBC tem a missão de contribuir para a melhoria da qualidade de vida de pessoas excluídas socialmente, sobretudo trabalhadores e trabalhadores rurais. O que mais gostei foi justamente a oportunidade de conhecer povoados, assentamentos, pessoas simples. Além de dar uma visibilidade das ações do CDJBC, procurei conhecer a realidade de pessoas tão humildes. Foi muito gratificante. Essa foi a maior satisfação. Além disso, gostei muito de um trabalho que tive a oportunidade de desenvolver com jovens do meio rural na linha da comunicação. As pessoas do interior são mais acolhedoras, generosas em falar sobre si. Tenho um conhecimento grande agora sobre essa realidade social. Não tem livro que dê esse entendimento.



IS – Você era voluntária ou contratada?



CP – Todos os profissionais sócios da UBV têm o mesmo tipo de relação. Uma parte é de responsabilidade da UBV e a outra da instituição que está solicitando um profissional. A UBV acredita muito que o profissional realize determinada função, projeto ou algo do tipo; mas que esse trabalho não deixe de existir após a saída do profissional que o incentivou. O CDJBC, Organização Não-Governamental que atuei e que me tornei sócia colaboradora atualmente, foi responsável por ter uma mínima infra-estrutura no sentido de equipamentos para que eu desenvolvesse meu trabalho. Já a UBV pagava meu salário e a residência. O salário é pago de acordo com as necessidades e padrão de vida de cada país onde o profissional vai atuar. É claro que baixei muito o meu padrão, se comparado ao sueco, mas o que a UBV financia dá para ter uma vida tranqüila.

IS – Todos os contratos da UBV com organizações da Sociedade Civil são de dois anos e meio?



CP –
Não. O contrato na realidade é de dois anos, mas o profissional pode renovar por mais dois anos, se desejar. No meu caso renovei por mais seis meses. Na UBV não são apenas suecos que fazem parte atualmente. Agora há profissionais da Dinamarca, Noruega e Finlândia também. A UBV valoriza muito o trabalho do profissional quando ele volta de um país onde atuou. A proposta é que retorne e passe a realizar palestras nas escolas, fale de todas as experiências do país onde trabalhou, para começar a mudar a mentalidade e visão das pessoas sobre os países menos desenvolvidos. Aqui do Brasil, os profissionais mais solicitados pelas organizações são jornalistas, agrônomos, assistentes sociais, pedagogos e advogados. O profissional pode ser cooperante mais de uma vez também, se assim o desejar; mas só depois de um tempo.


 


IS – Que tipo de trabalho você desenvolve atualmente na Suécia?



CP –
Hoje estou trabalhando como jornalista pelo Partido Verde, em Estocolmo. Além disso, sou vice-presidente da FIAN, FoodFirst Information and Action Network, Rede de Informação e Ação pelo Direito à Alimentação. Também sou presidente da ONG ‘Cinema África’, que tem o papel social de contribuir na retirada da imagem pejorativa que os suecos possuem das pessoas que vivem na África. Também atuo como observadora internacional de eleições pelo Governo Sueco e colaboro na UBV na área de comunicação.

IS – E por que escolheu Aracaju para passar as férias?


CP – É que eu vim visitar meus amigos e meu namorado, o Alex. Logo quando cheguei a Aracaju achei que aqui não tivesse nada para fazer por ser uma cidade pequena. Mas com o tempo, vejo que Sergipe como um todo é um Estado lindo. Gosto das praias e das pessoas, porque relembro os anos que morei aqui.

IS – Como você vê o trabalho do CDJBC na época em que cooperou e atualmente?


CP – Acredito que o CDJBC é uma instituição séria, dedicada, com profissionais que possuem muitos conhecimentos. Eram quatro a cinco pessoas no início. Agora são muitos projetos novos e cada vez mais vem crescendo, beneficiando um maior número de pessoas, fazendo parte de novas redes. Eles têm uma missão dedicada, têm muita coisa para dar. Tenho muito orgulho de ter trabalhado aqui.

IS – O que acha de pessoas que trabalham como voluntárias?



CP – Ser voluntária é algo que dá algo a mais em sua vida. É você ter tempo disponível para fazer alguma coisa que você gosta e ajudar o outro. As pessoas deveriam se dedicar mais a isso. Acredito que não adianta tanto reclamar e protestar sem tentar mudar determinada situação. Ainda hoje faço palestras, mando artigos para jornais sobre a realidade forte que é a de Sergipe e vou divulgar esse trabalho de vocês do ‘Inclusão Social’ na Suécia. É claro que o Governo local tem o seu papel e têm que assumir suas responsabilidades. Não dá para eles pensarem que as organizações do Terceiro Setor realizam determinado trabalho e ponto final. Cada um deve auxiliar em suas determinadas funções e papéis sociais. Esse espaço de vocês aqui no ‘Inclusão Social’, por exemplo, é uma ótima idéia e estava realmente necessitando. Nos jornais não há espaço para assuntos de boas ações ou do bem. Percebo que a maior parte dos meios de comunicação é voltada para outros fins. Acredito que seja de fundamental importância ter meios para mostrar o que o Terceiro Setor vem realizando de positivo, colocar para a sociedade tantas idéias boas e projetos que são desenvolvidos por organizações locais. É assim que percebo que há como mudar e transformar qualquer realidade.


 


Por Roseane Moura


Da Redação (Aracaju/SE)