Publicação: 14 de março de 2008Categorias: Entrevistas

 CVV conta com mais de 3 mil voluntários e 59 postos distribuídos pelo Brasil

Criado em 1962, no Estado de São Paulo, o Centro de Valorização da Vida (CVV) é um programa que presta serviços humanitários, através do apoio emocional direcionado a pessoas que sofrem de depressão, solidão ou as que perderam a vontade de viver. A coordenadora do projeto em Sergipe, Sílvia Maria de Aquino Neves, contou ao Inclusão Social como funciona o trabalho de "amigo ouvinte", realizado diariamente por 23 profissionais voluntários que atuam em Aracaju.

Por Roseane Moura
Da Redação (Aracaju/Sergipe)

 Inclusão Social – Como surgiu o Centro de Valorização da Vida?

Sílvia Neves – O Centro de Valorização da Vida passou a existir em decorrência do aumento do suicídio nas metrópoles. O objetivo maior sempre foi a prevenção ao suicídio. E para isso, realizamos apoio emocional às pessoas angustiadas, solitárias e sem estímulo para continuar vivendo. Surgiu em 1962, em São Paulo, e hoje já estamos com 59 postos distribuídos pelo país. Em Sergipe, temos apenas um posto e funciona em Aracaju.

IS – Como a senhora se envolveu no processo?

SN – Sempre quis realizar algum trabalho voluntário, mas o simples apoio material não me realizava; queria trabalhar na área de atendimento humano. Acredito que nada acontece por acaso. Eu estava navegando na internet e recebi um convite para uma palestra de instalação do CVV em Aracaju. O evento aconteceu na sede da Seicho-No-Ie e eu me interessei. No dia seguinte à palestra liguei para a Seicho-No-Ie e eles só tinham emprestado o espaço, não tinham contato da equipe do CVV. Por "acaso", novamente na internet, recebi um e-mail do Emsergipe.com falando sobre uma palestra para treinamento de voluntário do CVV. Fiz o curso naquele ano (2006), me identifiquei com a proposta e fui convidada a ser coordenadora do CVV Aracaju.

 IS – Como o CVV atua em Sergipe?

SN – Nossa estrutura ainda é muito simples; então, atendemos apenas por telefone. Através dos números 0800 28 44 456 e (79) 3213-7601 nossa equipe recebe telefonemas de pessoas que precisam simplesmente desabafar. As pessoas estão cada vez mais se distanciando umas das outras. Muitas vezes estão precisando apenas ser ouvidas. Há outros postos do CVV que atuam também através de e-mails, torpedos SMS, cartas etc. Para nós isso ainda é inviável. Precisamos ter um espaço físico maior, mais voluntários de plantão, entre outras necessidades.

IS – Com o serviço 0800 houve uma maior procura do público pelo atendimento?

SN – Houve um aumento de mais de 50% nas ligações. Isso foi uma grande conquista para nós. Sergipe é o único Estado que dispõe de um atendimento por telefone 0800, ou seja, as ligações são gratuitas. Nosso atendimento é diário, incluindo sábados, domingos e feriados. Todos os dias, das 9 às 23 horas.

 IS – Há profissionais remunerados atuando junto ao CVV?

SN – Em Aracaju há o Posto CVV Samaritano, que conta hoje com 23 voluntários. Há profissionais de todas as áreas que passam por um treinamento sério para que possamos identificar se possuem um perfil adequado ao trabalho de saber ouvir e entender quem está do outro lado da linha. É preciso ficar claro que o CVV não é um serviço religioso, nem político, e sim humanitário. Não há profissionais remunerados, são todos voluntários, cada um atuando quatro horas por dia.

IS – Como os voluntários são capacitados para atender quem está do outro lado da linha?

SN – Todos os voluntários passam inicialmente por uma palestra com temas para que conheçam a proposta do CVV. A partir disso, vão analisar se realmente querem, se podem e desejam continuar. Muitos até se interessam, mas devido a outras atividades que possuem, acabam não podendo acompanhar o processo. Após essa fase, passam por 10 estágios, participando de atividades duas vezes por semana e com, no máximo, 15 pessoas por turma. Assim, é possível identificar o perfil dos voluntários que precisamos. Os voluntários do CVV não substituem psicólogo, terapeuta ou psiquiatra; são apenas pessoas dispostas a ouvir quem precisa conversar com alguém. Não oferecemos também ajuda material; nosso trabalho é apenas de apoio emocional. Além disso, é referendado pelo Ministério Público da Saúde e decretado de Utilidade Pública Federal desde 1973.

IS – Quem pode ligar para o CVV?

 SN – Qualquer pessoa que estiver sofrendo pode ligar para o CVV que receberemos a ligação da melhor maneira possível. Não precisa se identificar, dizer onde mora, nada. O suicídio é o ápice de um processo de sofrimento que passa por angústia, desilusões, perdas, depressões indo até o desespero. O CVV atende os apelos destas pessoas que se encontram em sofrimento, ouvindo-as, respeitando-as, acolhendo-as e buscando dividir com elas estes momentos difíceis.

IS – Que problemas mais comuns chegam ao Centro?

SN – Os casos mais recentes são de depressão, sobretudo da parte de adolescentes e idosos. Os jovens estão se sentindo sozinhos, isolados dentro da própria família. Alguns têm pai e mãe trabalhando de forma excessiva, outros acabam se envolvendo com bebidas e diversos tipos de drogas. Já os idosos estão cada dia mais solitários. A nossa sociedade está sob fortes condições de individualismo e competitividade. Não há tempo para dedicar atenção ao próximo, nem mesmo para ouvir um desabafo.

IS – O trabalho tem dado resultados positivos em Sergipe?

SN – Sem dúvida. Inclusive costumamos receber ligações depois que conversamos com determinada pessoa informando que seu estado emocional se estabilizou. E a nossa proposta é essa: contribuir para a melhoria da saúde mental das pessoas.

IS – Quem custeia as despesas do CVV em Aracaju?

 SN – O CVV Samaritano está sediado hoje no Quartel do Comando Geral da Polícia Militar. É apenas uma sala, mas somos muito gratos ao coronel Péricles Menezes [atual comandante geral da PM] que nos cedeu o espaço e entendeu nossa proposta. Precisamos também de mais voluntários, de um novo aparelho de telefone, móveis e acessórios para escritório etc. Também recebemos doações em dinheiro. Todos os interessados em contribuir de alguma forma podem entrar em contato com a nossa equipe.


IS – Como o CVV tem visto a depressão?

SN – A depressão é o mal do século e até chegarmos a ela temos um caminho marcado pela angústia, pela solidão, pela indiferença, pelas perdas e pela incapacidade de enfrentarmos com serenidade nossos problemas e que fatalmente poderão nos levar ao desespero. O CVV atua durante este processo de sofrimento oferecendo apoio, respeito, calor humano e compreensão. Para mim, o CVV é uma realização pessoal. É justamente o que eu queria e pensava para quando me aposentasse. Sentir que fizemos um bom atendimento nos deixa de alma lavada. Saber ouvir é um trabalho gratificante.