Publicação: 7 de abril de 2005Categorias: Entrevistas

Tia Ruth: ela mudou a realidade de crianças e adolescentes com câncer em Sergipe


As crianças e adolescentes carentes com câncer do Estado de Sergipe têm um porto seguro em Aracaju. Graças à Maria Ruth Wynne Cardoso. Uma aracajuana de 75 anos, que tem uma doçura incomum no olhar e as mãos sempre prontas para o trabalho. Foi ela quem há 25 anos se sensibilizou com as dificuldades enfrentadas por pacientes com câncer e resolveu “colocar a mão na massa” para mudar essa realidade. Além de levar palavras de conforto para os pacientes, ela passou a hospedá-los na sua casa para que eles não ficassem no relento, na porta do hospital. Outras pessoas foram se incorporando ao trabalho e hoje já existe um grupo organizado, a Associação de Voluntários a Serviço da Oncologia em Sergipe (Avosos) e a Casa de Apoio à Criança com Câncer “Tia Ruth”, onde 280 crianças e adolescentes têm não só abrigo, mas também transporte, cestas básicas, medicamentos complementares, exames e próteses e contam com uma equipe interdisciplinar de apoio ao tratamento.


INCLUSÃO SOCIAL – Como começou o seu trabalho como voluntária?


TIA RUTH – Há cerca de 25 anos, fazendo visitas no Hospital Cirurgia. Eu abordava os pacientes para conversar e isso no começo foi muito difícil. Como eu trabalhava fazendo doces e salgados para fora, tive a idéia de fazer um bolo e através daquele bolo era que eu chegava até eles. Eu oferecia um pedacinho do bolo e alguns até diziam que não tinham dinheiro para comprar. Eu dizia que não precisava pagar e aí ia abrindo o caminho. Foi o meu instrumento de aproximação. Aqueles que não podiam mastigar eu molhava o bolo em um suco e assim foi. Por isso que até hoje é uma tradição da Avosos oferecer um lanche.


IS – Qual era a periodicidade com que a senhora fazia essas visitas?


TR – Eu fazia meus doces e salgados à noite ou em um período do dia para no outro poder ir ao hospital. Isso todos os dias. Não tinha hora, às vezes me chamavam do hospital, era um paciente que queria me ver e eu ia.
 
IS – Como foi que surgiu a idéia de fazer esse trabalho? O que te motivou?


TR – Eu sou agradecida a Deus por muita lição de vida que eu tive. Baseado nas palavras do Cristo – que sempre dizia para fazer ao outro aquilo que gostaria que fosse feito por você-, eu senti uma necessidade de fazer algo e comecei a ir ao hospital.


IS – Por que a senhora optou pela ala de câncer?


TR – Porque aqueles pacientes, além de muito carentes, sofriam demais com a discriminação. Se hoje ainda existe discriminação, imagine naquele tempo, que nem a palavra câncer podia se pronunciar. Era um estigma muito forte. Eles muitas vezes eram relegados pelas próprias famílias. Então eu comecei a me apegar àquelas pessoas, ver o que precisavam. Às vezes eles queriam mandar uma cartinha para um parente no interior, mas não sabiam escrever, então eu fazia e colocava no correio. Eram pequenos gestos, dentro das minhas limitações, que representavam um apoio para eles.


IS – Depois de algum tempo a senhora começou a levar pacientes para pernoitar na sua casa, como foi isso?


TR – Os pacientes ficavam nas calçadas do hospital, dormiam lá esperando consulta, vaga no internamento ou uma sessão de quimioterapia e eu ficava muito preocupada com eles. Então um dia estava ameaçando chover, eu resolvi levá-los para a minha casa e assim começou. Aí eu estendia colchão no chão ou alguma coisa mais fofinha e assim eles iam se acomodando em todos os cantos da casa. Eu repartia com eles o que eu tinha para comer. Quando acabava, eu pedia aos meus vizinhos.


IS – A senhora começou sozinha e hoje na Avosos já são mais de 100 voluntários. Como a senhora conseguiu mobilizar essas pessoas em torno dessa causa?


TR – A minha primeira companheira era minha vizinha Anna Lobão, que muito me socorria quando faltava alimento para oferecer aos pacientes. Depois eu comecei a chamar outras pessoas para conversar com os pacientes, que tanto precisavam de uma palavra de apoio e aí foram chegando novos companheiros. Acredito que foi um presente de Deus, porque sozinha eu podia muito pouco. 


IS – Hoje já existe um grupo organizado de voluntários, uma Casa de Apoio que leva o seu nome e tem toda a estrutura para atender as crianças e adolescentes com câncer. Como é ver isso tudo?


TR – Esse trabalho tem um dono que é Deus e a mim coube só iniciar. Foi um voto de confiança que ele me deu. Hoje eu olho para essa casa e me emociono, porque esse crescimento foi uma obra de Deus.


IS – Hoje quais os trabalhos que a senhora desenvolve na Avosos?


TR – Eu estou diariamente na Avosos, participando um pouco de tudo. Gosto da cozinha, de estar com os pacientes não só na Casa de Apoio, mas lá no João Alves com aquele mesmo trabalho que inicie de levar o lanche. Gosto de ser voluntária em todas as frentes.


IS – A senhora vem diariamente porque tem essa disponibilidade, mas e os outros voluntários, precisam dispor de muito tempo?


TR – Não. O voluntário pode atuar até meia hora, uma hora, uma vez por semana, desde que ele se integre naquilo que ele escolheu para fazer. É preciso que ele venha com o sentimento verdadeiro de servir e que assuma realmente um compromisso, porque os pacientes vão estar esperando por ele.  Eles têm que abraçar o trabalho de coração aberto e saber que existem dificuldades como em qualquer trabalho. Tem que superar as dificuldades e ter um objetivo.


IS – Como fazer então para ser voluntário na Avosos?


TR – A pessoa pode procurar ir até a Casa de Apoio, dar os dados na recepção e aguardar ser convocado para um treinamento no qual vai conhecer mais de perto o trabalho. Qualquer pessoa pode também visitar a casa, de segunda a sexta-feira, no horário comercial, pois nós estamos com as portas sempre abertas. O nosso endereço é rua Leonel Curvelo, 55, bairro Suissa, e os nossos telefones são 3211-8627 / 3211-1663.


Por Dinah Menezes


Da Redação (Aracaju/SE)